Uma pedra de lava de cada um dos três vulcões ativos da Itália - Etna, Stromboli e Vesúvio -, com duas laterais adjacentes facetadas. As três peças se encaixam, mas são mantidas separadas.
Durante uma residência na Itália, obtive pedras dos três vulcões ativos no país, o Etna, o Stromboli e o Vesúvio. Ao tempo geológico e aos relatos históricos das erupções, que eu pretendia convocar quando planejei o trabalho, logo se somou outra dimensão. A verdade idosa, trágica e solene daquele material foi desafiada por notícias atualíssimas e quase-cômicas de mineração ilegal, prisão de turistas e falsificação de procedência. Os três vulcões estavam em áreas de proteção ambiental.
Numa marmoraria em Catânia comprei paralelepípedos de pietra lavica etnea certificada, que depois abandonei à beira da estrada, guardando a nota fiscal para embarcar no voo para Roma com as pedras que eu trazia do Etna e do Stromboli. Uma pedreira ilegal tinha sido encontrada em Terzigno, dentro do Parque do Vesúvio, em 2008. Os infratores extraíam o basalto vesuviano, de exploração proibida, e comercializam como se fosse pedra do Etna. Em Nápoles, comprei uma pedra do Vesúvio sem nota nem certificação. Numa reforma do calçamento no centro histórico as antigas pedras locais tinham sido retiradas, abandonadas embaixo de viadutos, e substituídas por “pálidos e opacos” paralelepípedos de pedras do Etna. Cidadãos se indignaram: “Rivogliamo i nostri basoli, che è questa roba?”. As pedras do calçamento original foram recuperadas, medidas, numeradas, catalogadas e armazenadas em depósitos, de onde passaram a ser periodicamente roubadas.
Com as pedras no porta-malas de um carro alugado segui para Piedimone Matese, onde foram cortadas duas facetas adjacentes em cada uma, com inclinação de 120 graus. As três pedras passaram a se encaixar, mas foram mantidas separadas. O trabalho foi intitulado "Cão de Três Cabeças" em referência à fera que guardava as portas do inferno na mitologia antiga. Para que Enéas entrasse no Hades, a Sibila teve que enganar o Cérbero, oferecendo-lhe comida envenenada.
O material remanescente dos cortes foi trazido para o Brasil e lapidado em esferas, originando "Ignição" e "Scusa".