ANA DIAS BATISTA

Espelho curvo, 2015

Galeria Marília Razuk, São Paulo

 

Chegando à galeria, o visitante é recebido pelo Bilheteiro, um joão bobo de plástico inflável preto, do tamanho de um homem. Posicionado no topo das escadas, no meio da passagem, ele devolve qualquer gesto que se lhe dirija, restando ao visitante desviar para entrar no espaço expositivo. Um segundo Bilheteiro ocupa o topo de outra escada, mais estreita, a que conduz do espaço expositivo ao mezanino onde funciona a administração da galeria.

No espaço expositivo, todas as paredes estão cobertas pelo que parece uma enorme cortina preta. Rapidamente se nota, entretanto, que as ondulações da suposta cortina não têm profundidade: trata-se de uma pintura executada por um grafiteiro, que faz vibrar a superfície por efeitos de luz e sombra. Estendendo-se nas três salas da galeria, a Cortina as unifica, revestindo indiferentemente seus acidentes e estabelecendo um único nível que se mantém a despeito das diferenças de pé direito dos espaços.

Na primeira sala à esquerda da entrada está o Mareado. A Cortina se interrompe numa abertura e, sobre a parede branca que então se revela, dois feixes de luz oscilam em sincronia. Eles são projetados por canhões instalados no teto e se movimentam para a esquerda e para a direita, lenta e continuamente.

Adiante, veem-se três pinturas dispostas em “u” penduradas por cabos que ligam o teto ao piso, descoladas das paredes. O trabalho chama-se Treino. São pinturas equestres feitas sob encomenda. O mesmo cavalo é retratado nas três pinturas, exercitando trote numa arena, ligado por uma corda a um ponto além do quadro que coincide com a posição do espectador. A paisagem de fundo sofre mínima variação. O corpo do cavalo permanece na mesma posição. O que varia decisivamente são as patas do cavalo, captadas em diferentes poses nas três pinturas. À maneira de um carrossel, sugere-se um andamento circular, que reitera o movimento da cortina.

De volta à sala central e às costas do Bilheteiro, o visitante se depara com uma peça em fibra de vidro, uma mulher em escala natural, deitada. Intitulada Eva, é uma réplica reduzida de uma atração de parque de diversões comum no Brasil nos anos 1980, apresentada originalmente no Playcenter. A atração era uma mulher gigante, em cujo corpo se entrava por uma porta instalada no pescoço. Dentro do corpo da mulher, viam-se reproduções de órgãos internos e ouviam-se explicações sobre seu funcionamento. O trabalho miniaturiza a Eva original levando-a à escala natural de uma mulher. Feita em fibra de vidro, a escultura reproduz com o máximo de fidelidade o tratamento esquemático do corpo, das roupas e dos cabelos da Eva original. A presença das escadas e das portas indica tratar-se, ali, de uma miniatura, apesar da escala natural.

Seguindo a cortina até a terceira sala, o visitante encontra duas peças de superfície ondulada. Elas constituem o molde em fibra de vidro de uma concha agigantada. Ao mesmo tempo em que permite a reprodução do modelo, a concha, o molde reverbera, em sua morfologia, características desse modelo. Um molde e uma concha bivalve são ambos cascos, caixas ocas partidas em duas metades, cujo interior é liso e o exterior rugoso. Molde e modelo coincidem. Nada diferencia o molde de uma concha de uma concha representada.

Duas peças de pequenas dimensões apresentadas nessa sala relacionam-se às operações presentes na Eva e no Molde-modelo: Escalímetro e Abismo. Um escalímetro é um instrumento de medição linear usado para aferir distâncias e transferir medidas em representações reduzidas. No trabalho o próprio instrumento é submetido a uma redução: tem 5 cm de comprimento, cada face tendo apenas 5 mm de largura. Sobre essas faces são gravadas, em fonte minúscula e com perfeita exatidão, as seis escalas de redução convencionais: 1:100, 1:125, 1:75, 1:50, 1:25, 1:20. O Abismo, por sua vez, é um conjunto de conchas encontradas, da mesma espécie e de fisionomia semelhante, mas de tamanhos diferentes. Elas são encaixadas uma dentro da outra, da maior para a menor, em abismo.

Um último trabalho completa a exposição. Um inflável de 3 metros de diâmetro que, inflado com gás hélio, flutua livremente sobre a sala. O inflável tem a forma de um cérebro humano. Pairando sobre a exposição, poderia tratar-se do cérebro da Eva original, ou talvez ele funcione alegoricamente, como um órgão central que coordena as relações entre os demais trabalhos.

Se várias das peças da exposição remetem ao universo dos espetáculos e dos parques de diversões, trata-se menos de um tema do que de um regime de exibição e participação que essas peças internalizam, exploram e subvertem.

  • "Bilheteiro", joão bobo na escada de acesso à exposição

  • Vista da exposição

  • "Treino", pinturas encomendadas

  • "Mareado", moving-heads, mesa DMX, pintura sobre parede

  • Mareado

  • Vista da exposição

  • Vista da exposição

  • "Molde-Modelo", fibra de vidro, e "Cortina", pintura sobre as paredes

  • "Molde-Modelo"

  • "Escalímetro", "Abismo" e "Cortina"

  • "Escalímetro", aço usinado e gravação a laser

  • "Abismo", conchas encontradas

  • Vista da exposição

  • Vista da exposição

  • "Eva", réplica de atração de parque de diversões reduzida à escala de uma mulher

  • "Bilheteiro", escada de acesso ao escritório da galeria

  • "Gênio", plástico inflado com gás hélio

  • "Gênio"